Dom ou Maldição?

Para ti será sempre um dom, uma espécie de prazer que sentes ao ler, que te prende o pensamento, que te leva a imaginar e sonhar. No fragmento de vida que relato, haverá sempre algo com que te identifiques, que já tenhas sentido e vivido, que deixe que me entendas. Para mim será sempre uma Maldição, conseguir transpor o que vai cá dentro, organizar ideias, dar-lhes um sentido, uma vida, para que possam ser lidas e ouvidas, no fundo compreendidas. Escrevo com a certeza do que falo, com a total consciência que as palavras fogem de mim, ganham vida própria, que antes que tu me percebas, eu me entenda a mim mesmo. Certeza que desaparece à medida que escrevo, que releio tudo, que dou por mim sem nada, perdido no meio de letras que não param de chegar. Desconheço onde fui buscar aquela ideia, aquele tema, esqueço tudo o que levou até ali, a realidade que magoa, o sentir que sou usado. Sinto vontade de apagar tudo, de não deixar ninguém ler, de rasgar em mil pedaços e deixar o vento levar…Sempre lá, sempre a mesma Maldição que me deixa escrever, que me mantém leigo até ao fim, que eu não sei explicar. Para ti será sempre um Dom, algo belo e profundo, que aprendi a mostrar, que nasceu comigo e te faz sonhar. Para mim será sempre uma Maldição, dar-me a conhecer sem me compreender, algo que não posso evitar, que me acompanhará até ao fim dos meus dias. Triste ou não, ainda continuas a achar que é um Dom?

07/03/05